domingo, 20 de junho de 2010

Post #152

(...) Eu já não sabia o que eu estava fazendo vivo. Pensando desse jeito, eu ficava fazendo planos para driblar todas as coisas ruins que me cercavam. Sempre falhava. As coisas que me machucavam continuavam a fazê-lo. Eu era tão patético. Saía de casa nesses tempos frios, chegava e não via sentido no que acabara de fazer. Fazia sempre a mesma coisa à tarde. Chegava em casa, fazia o chá, sentava na poltrona e conversava sozinho. A coisa que eu mais sabia fazer era conversar... Pena que só eu mesmo sabia disso.
Os tempos foram passando e eu fui ficando velho. Já tinha vinte e oito e ainda não tinha encontrado um amor... assim... para sempre. Sabem, né? Com vinte e oito anos e sem uma moça, as más línguas já sabem o que falar. Eu nunca tinha dado muita sorte com essas coisas. Passei a vida toda coberto de desilusões e planos que nunca se concretizaram por minha causa. Sempre dava errado por culpa minha. Quando andava de ônibus, toda moça bonita que meus olhos insistiam eu ficar assistindo, acabava desenhada em papéis da minha memória. Me apegava tão fácil que nem precisava se quer conversar. Essa era minha maior futilidade.
Meus amigos que hoje só estão na memória, sempre tiveram o gingado necessário para abraçar outra pessoa. Sempre tiveram sua mocinha aqui e ali... E eu, com minha timidez toda, ficava sempre assim, sem ninguém... História que se repete até hoje, morando sozinho no centro da cidade. Meus amigos eram os melhores que eu pude ter na vida. Eram sempre tão presentes, mas por necessidade, acabaram se afastando. Talvez não por não gostarem de mim, mas sim, porque precisaram de fazer isso. Me dói tão profundamente lembrar de cada momento assim. A nostalgia me golpeia tão forte e eu me rendo tão fácil... Tão fácil. Inevitavelmente, meus olhos ficam rasos d'água, mais uma vez.
Meus pais já não eram presentes à vida. Quando tinha vinte e cinco, foram-se já bem velhos. Chorei tanto de saudade de quem eu mais amei. Hoje, em momentos isolados, ainda o faço. Depois de três anos não havia esquecido completamente a dor de perdê-los. Eu precisava de remédios para escapar da minha depressão. Remédios quase sempre sem efeito algum.
Eis que um dia, resolvi alimentar minha coleção de discos. Já beirava os mil e quinhentos discos de vinil, entre clássicos brasileiros e internacionais. Estava à procura do único disco do Cartola que ainda não habitava minha prateleira. Encontrei-o em um sebo que acabara de abrir no centro. Era um domingo, fazia muito frio em uma bela manhã de outono. Ao entrar no sebo, vi que a menina que tirava o pó dos livros, era a dona dos olhos mais belos que eu pude ter o prazer de ver antes de morrer. Mesmo sabendo onde ficavam os discos, não hesitei em ir perguntar-lhe. Enquanto ela me falava, eu acabei não prestando atenção em uma palavra se quer. Quando falava, seus cabelos pretos aos ombros dançavam, eu entrava naquela dança e me distraía do mundo.

...continua

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