Viu a vida passar diante dos olhos
Os corpos diante da palma da mão
Viajou com quem pôde mais longe
Vive com saudade no coração
Caminha todas as tardes até a pracinha
Para alimentar os pombinhos dali
Nunca comeu carne de paca
Quanto mais carne de javali
Trabalhou quarenta anos num lugar horrível
Onde não conseguia fazer amigos
Onde as pessoas não se importam com o outro
E só olham para seus umbigos
Suspira a carne seca que janta
Sentado sozinho à mesa
É rei do seu próprio mundo
Mas sem o sorriso de princesa
Hoje o pobre velho espera a morte
Na janela da sala olhando o João-de-barro
Começou a fumar muito cedo
Pois botava muita fé no cigarro
Agora, sem amigos ou parentes
Ele assiste aos filmes da adolescência
A lágrima corre o rosto enrugado
E de mãos atadas pede clemência
"Ó, meu deus, me leva por favor
Já não tenho a quem fazer sorrir
As pessoas são muito complicadas
E minha vontade é de partir"
Deus atendeu à sua prece
E o levou para morar no seu ninho
Parece mentira, mas até deus o tratava mal
Nem no céu conseguiu ter carinho
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