quarta-feira, 22 de maio de 2013

Chuva

Fui à janela da frente e acendi um cigarro
enquanto riscava o fósforo
na rua
um mar feito de água da chuva se formava
com o cigarro no canto da boca
dirigi-me até a vitrola para colocar o disco do Vicente Celestino
como estou há meses sem trabalhar
essa pequena quebra de rotina é o que de mais extraordinário consigo no dia.
A chuva cai bonita do céu
cai e bate com força no asfalto preto da rua
como se fossem um casal brigando
brigam e depois fazem as pazes se transformando em apenas uma só coisa:
o chão molhado.
Na metade do cigarro me invade uma vontade de me molhar
as cinzas caem sobre minha mão esquerda
pego-me em lágrimas por algum motivo
(eu juro, às vezes desconheço o porquê de chorar)
é estranho, eu sei, mas, chorar nem sempre é tão difícil
com a bituca de cigarro eu queimo meu pulso
e vou adiante nessa montoeira de água que cai do céu que já é escuro por causa da noite.
Dentro da chuva, deitado no asfalto, vejo como a vida pode ter um lado positivo
da sala de casa ouço o Vicente
que será que Vicente está a fazer agora? onde será que está Vicente?
as gotas da chuva caem e me salgam
me banham
me preparam para dormir
no meio da rua, à toda velocidade, vem um ônibus
será que desvio? será que não desvio?
quando me chovem, caem também muitas dúvidas em mim.
Acabei que nem desviei.

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