quarta-feira, 19 de junho de 2013

O encontro de doutor António com seu paciente mais querido

(António Coimbra, 39)

          Dia desses conheci um rapazinho que me chamou bastante a atenção. Neto Lisboa era seu nome. Ele entrou pela porta do meu consultório - que também é minha casa - e sentou-se à mesa como quem pedisse licença ou estivesse acuado. Ele não parecia ter confiança em si próprio. Disse que veio até mim na busca desenfreada por paz dentro de casa. Disse que já não aguentava brigar com os pais. Neto tem apenas vinte anos, mas, carrega uma coluna de setenta. A barba é por fazer e tem olheiras. Ao menos os dentes eram bonitos. Não eram brancos, eram amarelados, mas tinha um bom hálito. Sorriso tímido e estranhamente chamativo. Era um bom menino. Mais do que conversas, Neto buscava um amigo. Alguém que o não risse das coisas bobas que ele dizia, dos planos mirabolantes de mudança de vida e nem que achasse que ele era um idiota sem fé no futuro. Neto queria companhia.

           - Olá doutor - disse sentando-se à mesa - venho atrás do senhor porque não aguento mais me sentir sozinho. Eles dizem que eu pareço não ter vontade nenhuma na vida, mal sabem eles, que minha vontade de morrer é a maior que há. - tremulava as mãos e coçava a orelha direita. Me ajuda, doutor!
           - O que podemos fazer com você, hein? Tu me chegas aqui e me diz uma coisa dessas. Isto é muito pesado. Vamos, aperte minha mão. - timidamente ele segura minha mão direita e a balança - pronto, agora estamos apresentados. Podemos ser amigos.
           - O senhor já sentiu vontade de morrer, doutor António?
           - Nunca.
           - Então o senhor não sabe o que estou a passar na vida. Levanto da cama e escovo os dentes, cada ato que faço, é uma vontade de morrer diferente. Afogado, degolado, espancado... Qualquer forma que possa me livrar de viver.
           - E por quê? Digo, o que te fazem para que essa vontade venha?
           - Penso que seja alguma forma suprema que me comande. Vivo bem, meus pais não merecem um filho como eu porque já sofreram muito na vida. Essa vontade é infundada, eu odeio sentir.

           O menino começa a chorar. Ofereço-lhe lenços de papel que me são negados e, de repente, um soco cai sobre minha mesa. Pergunto o que ele está a fazer e tudo o que ele diz é que 'precisou' fazer aquilo. Para quê? Não sei. Alguma coisa me chama a atenção neste menino...

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