sábado, 19 de outubro de 2013

Tudo por causa de um cigarro

Em Curitiba. Essa é a cidade. Essa cidade abriga um coração amargo. O coração em questão é o do garoto Daniel. Daniel era um rapaz comum, que tira seu sustento da empresa Rodopan S/A. A empresa fica numa cidade vizinha e ele, Daniel, acorda todos os dias às cinco da madrugada para chegar no trabalho por volta das sete. Quando dá sorte, chega um pouco mais cedo e consegue bater o dedo no horário. Daniel tem vinte anos e sonha em ser arquiteto. Se ele estuda para isso? Não, ele pensa que a chance de se formar numa boa faculdade vai cair do céu.

Daniel mora com os pais idosos e é o mais novo dos filhos do casal Helena e Roberto. Daniel tem um vício incontrolável por cigarro. Se os pais dele sabem? Não. Não sabem. E Daniel tenta esconder o vício quando está em casa. Só fuma quando os pais estão fora ou estão dormindo. Os pais dele fumam há mais de quarenta anos e não querem isso parar o filho mais novo e não planejado. Vê-lo fumando mataria os pobres velhos. Mataria de verdade, já que o cigarro ainda não os matou.

Simone é uma mulher comum. Mora na mesma cidade que Daniel. Na verdade, ambos moram no mesmo bairro. O que divide um do outro é um muro de mais ou menos um metro de altura. Simone é cabeleireira e tira seu sustento daí, trabalhando em casa. Simone tem um filho de oito anos. O pai? Um aposentado da polícia militar que vive da aposentadoria. Se ele é fiel? Como um bom policial, claro que não. Ninguém na casa vê sair e ninguém vê chegar. Aos domingos, ele, Marcos - “Marcão” - faz churrasco e faz fervo para todos os vizinhos ouvirem. Ninguém da vizinhança parece ir com a cara dele. Cara chato do caralho.

Marcos trai sua esposa cabeleireira indo até bordeis da cidade. Come todas as putas que vê com o dinheiro que era para ser do seu único filho. Simone desconfia das picaretagens do velho Marcos, mas, ele tem muitos contatos na polícia. Se ela tentar deixá-lo, como já fez, ele a confunde dizendo que arma uma tocaia cheia de drogas como cocaína pelo salão da pobre Simone. Marcos era um porco.

Eles moram na casa de esquina e do outro lado do muro há a família de Daniel. Eles - Marcos, Simone e Daniel - não conversam entre si. O máximo que Daniel troca de palavras com Marcos é um “bom dia” quando ele volta da farra. Com Simone a mesma coisa. Quando ela volta do mercado, deixa escapar um “boa tarde” da boca. Daniel é simpático e ingênuo. Não sabe muito das malandragens que podem acontecer à frente de seus olhos. E uma coisa muito estranha o destino agendou para essas três pessoas.

Numa noite quieta de quinta-feira, Daniel sai até o portão para fumar um cigarro enquanto os pais dormem em casa. O que ele não esperava era ver ela, Simone, do outro lado do muro. A moça de quarenta e dois anos o chama para que possam conversar:

- Ei!
- Olá.
- Eu sei o que você está fazendo.
- Do que está falando
- Disso. Desse cigarro nos seus dedos. Seus pais não sabem que você fuma.
- Não sabem. Você não contaria, não é?
- Quem sabe… Podemos fazer um trato?
- Que trato? - Daniel joga a bituca na rua.
- Você faz sexo comigo enquanto Marcos está fora.
- Dona Simone, isso é errado… O que ele iria pensar? Isso é muito errado!
- Ou é isso ou seus pais ficam sabendo agora mesmo. Posso fazer escândalo, se quiser.

Com muito custo, Daniel aceita a proposta da moça.

Marcos a essas alturas estava voltando para casa de mais uma noite cheia de vodka e cigarros paraguaios. Ele já não tem amor por Simone, se é que um dia ele sentiu amor pela pobre mulher, se é que uma criatura como ele consegue sentir amor por algo ou alguém. Mas sabe quando a treta é forte? Ele não sente nada por ela mas odiaria vê-la com outra pessoa. Com ela, ele sabe, que o sexo é garantido, ainda que ela não queira ter seus cento e vinte quilos debruçados pelos seios enquanto geme sem prazer. Marcos era um porco. Um porco gordo e grande.

Aconteceu. Simone disse para Daniel pular o muro e fazer dela mulher, enquanto seu filho, criança, dorme no outro quarto. Eles fazem sexo. Gozam como nunca - para Daniel foi uma experiência e tanto, já que o rapaz era virgem. Tinha como vontade estampada no rosto, perder a virgindade com alguém que gostasse, em sua própria cama em sua própria casa. Bem, a vida nem sempre - nunca - é justa. É claro que depois da primeira trepada, ele acendeu um cigarro.

- Por favor, não conte nada aos meus pais. Você teve o que quis.
- Tudo bem. Eu tive o que quis e foi incrível. Há tempos não me sentia assim, como uma mulher. Se isso for pecado, posso ir daqui do quarto direto para o inferno.

Eis que um carro vem encostando do lado de fora, perto da árvore. É Marcos. E Marcos nem sonha que ‘sua mulher’ está na cama com o vizinho.

- Rápido, se esconda. É ele!
- É o Marcão? Caralho, mulher, eu tô fodido!
- Esconda-se logo, idiota! Ele é capaz de te matar!

Não mais que de repente, Marcos entra pela porta da cozinha e a bate com força enquanto diz palavras sem nexo. Marcos está bêbado e deu uns raios no puteiro mais barato de Curitiba. Chegou em casa para fazer a mãe do seu filho. Quando põe os pés no quarto, percebe que ela, Simone, está aflita. Pergunta o que há e ela não sabe responder. Atrás dele, saindo do banheiro, está Daniel, cobrindo o pau com a camisa tentando sair de fininho - porra, é só pular o muro, ele nunca descobrirá!

Ao olhar pra trás e se deparar com o menino nu, Marcos surta! Surta!

- O que está havendo aqui? Que palhaçada é essa, mulher?! - Hey, garoto, é melhor fugir mesmo!

Enquanto Daniel foge, Marcos pega sua 38 na gaveta do criado mudo do quarto e sai atrás do jovem. Enquanto ele pula o muro com a bunda de fora, Marcos acerta dois tiros em suas costas. Daniel morreu ali mesmo, com o peito esfolado pelo muro com os braços do outro lado… E tudo isso por causa de um cigarro.

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